Existe uma fauna que não vive nas florestas do passado.
Somente em espaços concretados; cada indivíduo, lacrado.
Existe uma fauna que não vive num brejo, num rio, ou num lago.
Uma que não mora nos mangues.
Uma outra que até frequenta as praias.
Costões rochosos, só muito raramente.
Essa fauna passeia pelos mares e oceanos.
Não gosta de desertos fumegantes.
Sente-se mal nas grandes altitudes.
Enterrada no solo? Só com a morte, ou mesmo em pó!
Não curte viver entre folhas mortas, no folhiço, chão da floresta.
Esta fauna está em todos os lugares.
Inventou formas de estar em todos eles.
É a fauna humana!
Não existiam humanos no passado.
Só a fauna dos não-humanos.
Com a nossa chegada ao mundo, nós o desconcertamos.
Nossas ferramentas naturais, unhas e dentes,
Foram todas reprocessadas.
Atirar um galho, ser barulhento, gritar mais alto e arrepiar.
Lascar uma pedra cortante, forjar pontas, superfícies.
Manter o animal distante, quem sabe um inimigo,
Melhor usar uma lança: se corre menos perigo...
Mas a flecha vai mais rápido, mais letal, vara guiada.
Abater presas e estranhos, unhas chatas, dentes rombos:
Que proeza! Não sou carnivoro!
Matadores quase perfeitos, com armas adaptadas.
Seria só para alimento? Que outros usos inventamos inda mais?
Comer só por comer é bem monótono...
A palavra chave é TERRITÓRIO! Nosso mais importante objetivo!
A ONU existe por causa de territórios. Os países também.
Os Estados, idem. Nos municípios não é diferente.
Vivemos em territórios-bairro. E os bairros são territórios-rua.
As ruas são territórios-casa. As casas são territórios-cômodo.
Cada cômodo tem um local que preferimos.
Nós mesmos, somos territórios ambulantes.
Quando estamos na presença de um outro homem,
Nós desejamos, inconscientemente, defender nosso território.
Nosso corpo, nossa mente, nossso gestos, nossas palavras.
Não será qualquer um que ocupará meu território!
Vou examinar cada detalhe! Saber qual o motivo da invasão!
Se somar territórios for interesssante,
Quem sabe, podemos até nos entender?
Buscamos vantagens, segurança, reprodução.
Mais água, mais alimento, mais energia, e...
Mais território!
Amar uns aos outros quer dizer: compartilhar territórios.
Não só entre homens, mas com tudo que viva.
Um mundo sem territórios? Uma utopia ou uma esperança?
Eliminar pontas e garras? As lanças e as flechas? Os furos e os cortes?
O que será do metal viajante perdido na cidade?
O cano fumegante, mecânico ou digital?
A ogiva que limpa territórios imensos?
Mostre os dentes para o inimigo!
Não se aproxime!
Sou agressivo e poderoso! Veja como olho nos seus olhos!
Se insistir, vamos lutar! Que vença de nós dois, quem for melhor!
Mas eis que surge uma idéia! Vamos fazer o seguinte:
Eu arranco cada dente meu; e voce, cada dente seu!
Também arranco cada garra minha; e voce, cada garra sua!
Desdentados e desgarrados, vamos ter uma longa conversa.
Quem sabe, ao final de tudo, possamos viver sem armas?
Mas como será depois? Como justificar a segurança?
A paz, o entendimento, o perdão, a bondade, a justiça,
A tolerância, a amorosidade?
Vamos ter que reprocessar tudo de novo.
Uma nova humanidade, um novo ser.
Enquanto isso, vamos tentando a cada dia,
Antecipar um pouco o que seria
Esse nosso sonho, essa utopia...
(RRS, 19 out. 2012)