sábado, 2 de março de 2013

O construtor de pontes

 
Era uma vez um construtor de pontes que havia dedicado boa parte de sua vida a ligar pontos de difícil acesso por cima de rios. Estava no meio da ponte olhando sua última obra quando um transeunte o reconheceu e lhe perguntou: o que está admirando? A sua obra? O rio? A resistência da ponte? Ou apenas medita sobre tantas outras pontes que deverão ser construídas? Ele desviou o olhar do infinito e disse: eu não construo pontes para ninguém! Não sou dono da obra e nem sei por quanto tempo ela resistirá ao tempo e às mudanças. Muitas pessoas acham que quem constrói uma ponte tem todas as certezas do mundo e que detém a segurança de que ela não vai cair um dia ou que poderá ser ameaçada. Não é bem assim! As pontes não são construídas por uma única pessoa. São milhares e milhares delas a contribuírem para uma mesma obra. Basta uma falha num setor importante e a boa intenção inicial pode se transformar em uma onda de frustrações e desentendimentos. Nós apenas tentamos seguir a coerência histórica das construções. Isso não significa que elas serão sempre coerentes. Onde existir mais de uma pessoa sempre poderá haver discordâncias. E tanto mais discordâncias quanto mais radicais forem os argumentos. Mesmo nas discordâncias precisa haver coerência. As pontes podem ser feitas de diferentes materiais e nem por isso podemos dizer que sejam frágeis. Existem pontes de raízes de grandes árvores que podem durar centenas de anos, e outras feitas de aço que podem não resistir a um século. Tudo é muito relativo e depende de outras conjunturas que podem influenciar de forma decisiva o destino de uma ponte. O que conta mesmo é a boa vontade e o desejo de que ela possa servir para ligar pessoas e nações. Os outros detalhes podem não ser tão relevantes. Você conhece uma ponte mais perfeita do que a que liga as pessoas pelo amor? As pontes que ligam as pessoas pelo perdão? As pontes de compreensão? Elas não são feitas de concreto. São feitas de gente. Depende apenas de decisões em nossas mentes. Quando se luta por uma convicção e uma certeza, corremos o risco de enfrentar outras convicções e certezas iguais ou maiores que as nossas. Talvez em lugar de convicção devêssemos valorizar a reflexão de cada um, sem uma doutrina dirigida e condicionada. Se for verdade que cada um de nós possui uma parte sagrada, porque não confiar com fé que ela nos mostrará o caminho da coerência tão procurada? O caminho da paz, da sensibilidade pelo outro como criatura de Deus, e não exatamente por sua ideologia. Devemos construir pontes para todos, indistintamente. Não devemos exigir passaportes especiais para quem deseje atravessá-la. As pontes precisam de uma liberdade responsável. E a liberdade é algo inerente e próprio de cada um. Não pode ser negociada, nem vendida e nem alugada. É um direito universal. Se desejamos construir pontes universais, há que respeitar a liberdade de cada um para escolher como deseja atravessar a ponte, e quando deseja fazê-lo. Também não devemos inquirir sobre as suas razões de travessia. São motivos particulares. É praticamente impossível que todos tenham as mesmas “certezas” sobre qualquer coisa do mundo. Cada pessoa, ela mesma, já é um mundo. Como controlar mundos dentro de mundos? Como convencer a cada um que os meus argumentos são melhores do que os deles? Por que a razão deve estar somente comigo? Se nós viemos das poeiras estelares, então isso quer dizer que todos nós somos estrelas. Temos os mesmos direitos de brilhar e de se apagar quando chegar a nossa hora. Por que não brilhar todos juntos, cada um com sua luz própria? Por que tem que ser somente com a minha luz? Que caminho desejo eu iluminar? Será o meu desejo o mesmo desejo de todos? Brilhemos todos juntos! E a luz vai ser tão forte que eu não duvido que o próprio Deus se apresente a cada um de nós, de uma forma especial, tocado pela espetacular prova de humildade e de compreensão da humanidade. Hoje, pode ser apenas um desejo. Mas qualquer mudança precisa de um desejo inicial. De uma vontade. De uma intenção. Então, construiremos a ponte mais perfeita do mundo. Um construtor de pontes de rios é apenas um construtor de pontes de rio. Construir pontes de almas é algo bem mais complexo. Eu estava aqui pensando justamente isso: o quanto sou limitado nas minhas obras. E pensar que as pessoas me conhecem apenas pelas pontes sobre rios. Que bom que eu soubesse como construir pontes verdadeiras que ligassem realmente as pessoas, e não exatamente apenas locais. Talvez a obra mais difícil seja acessar o interior das pessoas. Mas isso seria bem mais fácil se elas mesmas desejassem isso com muito amor, de livre e espontânea vontade...
 
(RRS, 27 fev. 2013).
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário