segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Sobre inteligências, tendências futuras e sonhos.

Roberto da Rocha e Silva

Certamente, você vai se lembrar de algumas dessas expressões: meu filho é muito esperto! Você é burro! Olha a besteira que você fez! Essa sua solução foi brilhante! Como é que eu não pensei nisso antes! Estava na nossa cara e ninguém viu! Na verdade, essas situações ocorrem quando você tem algum problema e consegue resolvê-lo com certa facilidade; ou então, fica dando voltas e não consegue achar uma saída. Pior ainda: faz tudo errado e ainda causa prejuízos e constrangimentos, os mais diversos. Por que isso acontece? Você sabe que consegue ter bom desempenho em algumas coisas; mas em outras, você é uma negação. Será que você não é inteligente?
 Em 1983, o escritor Howard Gardner publicou um livro que apresentava uma teoria sobre estruturas da mente, mostrando que não existe uma única forma de inteligência. As pessoas poderiam ser inteligentes numa ou mais áreas sem serem medíocres. Que alívio! Não sou tão imprestável como meu pai dizia! Ele certamente não sabia que existem diferentes formas de manifestar “inteligência”. Dessa forma, o meu cérebro resolveria questões numa determinada área, mas não exatamente numa outra. Gardner listou sete inteligências: lógico-matemática, com muitas fórmulas e cálculos exatos; espacial-visual, que me dá a noção exata das proporções e distâncias; linguística, para falar como um papagaio, arrumar idéias e escrever bem; corporal-motora, para ser o artilheiro do time e gostar de esportes ao ar livre; musical, para tocar na banda e fazer um tremendo sucesso; interpessoal, para me comunicar em público, no trabalho sem maiores dificuldades; intrapessoal, para conhecer a mim mesmo e saber das minhas fragilidades e potenciais. E, se também possuo uma visão clara do meu papel no mundo da natureza e não somente no mundo dos humanos, então não haverá motivos para que eu não tenha sucesso na minha vida como um todo e não somente “profissional”. 
O mundo do trabalho vem preferindo, cada vez mais, colaboradores que sabem fazer algo muito bem, mas que também não sejam “criadores de casos”, onde conta muito a sua capacidade de lidar com “pessoas” – problemáticas ou não e saber controlar suas próprias emoções, não se abatendo por motivos banais e se adaptando com facilidade a cada novo cenário que se apresente. É inteligente investir em liderança, colaboração, empatia, comunicação, persuasão e influência, em relação ao seu ambiente de trabalho. Lidar com “gente” exige uma inteligência emocional esmerada, tanto do ponto de vista de você com o “outro”, quanto de você com “você mesmo”. 
Quando você começa a perceber que seu comportamento está diferente é muito provável que algo dentro de você - e não somente fora – estará influenciando tudo o que você faz e diz, seja para o bem ou para o mal. Traduzindo: você é “o que você pensa que é”, mesmo não sendo. E tanto isso será mais sério, quanto mais iludido você for! Se a ilusão te causar tristezas, você será triste. Se ela te causar alegrias, você será alegre. Tanto faz ser uma ou outra; todas serão ilusões. No entanto, num ambiente de trabalho, ou na família, ou em público, você poderá trazer sérios problemas de relacionamentos ou mesmo pessoais (existenciais) caso escolha colecionar amarguras e decepções. A inteligência emocional vai permitir que você compreenda cada contexto e cada cenário, de modo claro e objetivo, não se deixando levar por armadilhas da vida e seus engodos, que podem detonar o seu humor, o seu emprego ou os seus sonhos.
A compreensão do papel das “ilusões” em nossas vidas é muito antiga e está associada aos princípios espirituais. Não podemos falar de emoções sem se referir à espiritualidade. Sabemos que a maioria das religiões teve origem no final da Idade Antiga quando já existia a idéia mística oriental que já mostrava o quanto podemos ser enganados pelo nosso “ego”. Os movimentos religiosos ocidentais monoteístas se apropriaram de muitas dessas idéias para orientar novas maneiras de compreender o sagrado e fundaram igrejas e templos. No entanto, sendo místico ou religioso o que importa mesmo é a prática da compaixão e da necessidade de “cuidar do outro” seja qual for a sua intenção divina. A ameaça de uma divindade que está fora de você e que pode decretar seu ingresso para o inferno sempre nos atormentou no mundo religioso. No mundo místico a divindade está dentro de você e só a você cabe decidir para onde deseja ir, independentemente de qualquer vigilância superior. Dessa forma é mais fácil mudar a você mesmo do que a vontade de um deus. Por outro lado, entendendo isso, reconhecerá também o tamanho da responsabilidade a ser assumida. 
Existe ainda outro motivo para você pensar em investir em você mesmo. É que muitos pesquisadores estão afirmando que há uma clara tendência no mundo do futuro para que atividades e postos de trabalhos repetitivos - e que não exijam criatividade e emoção - sejam substituídos por máquinas inteligentes. A robótica já é uma realidade no nosso cotidiano e em diversas fábricas. O banco 24 horas é capaz de atender você em muitas das suas necessidades sem ser exatamente criativo. Ele apenas dialoga com você de modo estreito e objetivo. Ele não percebe os seus sentimentos, azedumes ou a sua felicidade momentânea. Ele apenas repete as operações para as quais foi programado; e faz isso com grande eficiência. Devemos estar preparados – cada vez mais – para compreender que muitas das ações que praticamos hoje não serão mais tão necessárias quanto desejássemos que fosse porque os robôs vão substituir você, e o seu emprego não estará mais garantido. Não precisa entrar em pânico porque as questões emocionais ainda são o seu maior trunfo para preservar o seu futuro ao lado de “criados eletrônicos” competentes. Dessa forma, a criatividade passa a ser uma inteligência altamente desejável porque ela influencia todas as demais inteligências sem pertencer a nenhuma delas. Um robô pode até interpretar algumas das expressões faciais mais comuns entre humanos, mas não saberá lidar com novas situações repentinas e inimagináveis.
Nosso conselho é que mesmo não sendo uma aberração no mundo da Inteligência você pode desenvolver diversas habilidades através dos seus próprios esforços. Aprenda a aprender, dedicando parte do seu dia para o aprimoramento do que já sabe e aprendizagem de novos conhecimentos que possam somar ao seu acervo intelectual. Eu nasci em 1946, num tempo datilográfico e mecânico. Vivo hoje, em 2016, num tempo digital e eletrônico. E se não fosse a minha percepção de que o mundo mudou, eu ainda estaria usando a minha antiga máquina de escrever e o meu antiquado telefone de disco com uma série de números indo e voltando ao mesmo lugar. Não usaria e-mail e estaria constantemente colando selos com a língua como fiz diversas vezes, hoje um tanto incomum.
Ao nos deparar com os problemas da vida, precisamos estar devidamente equipados para dar conta deles, seja por métodos tradicionais e padronizados (com tendência a serem em breve antiquados), seja por novas abordagens ainda não testadas no tempo e no espaço. Qualquer que seja o desafio a ser enfrentado, ele vai lhe pedir uma solução. E então, precisaremos voltar a ser criança para que a nossa imaginação percorra o mundo do não-convencional e seguir sem aqueles bloqueios conhecidos que nossos pais e o mundo nos impingiram para que nos tornássemos adultos. Devemos voltar a ser criança com posicionamentos adultos para criar as soluções práticas que precisamos. Enquanto não somos uma criança imaginativa e um adulto criativo, ao mesmo tempo, teremos muitas dificuldades para ultrapassar obstáculos criados por nós mesmos. Nosso estilo de vida ainda é muito afetado pelos interesses econômicos superficiais, mas também podemos nos educar para a nossa própria realização como ser humano igualmente sensível às outras áreas mais profundas. Desconstruir mitos e bloqueios tornou-se tarefa fundamental no enfrentamento do futuro, seja para a nossa sobrevivência individual, seja para a sobrevivência da nossa própria espécie.